Massa de trabalhadores da Zona Franca de Manaus pode migrar para extração de madeira, minério e agropecuária

Estratégia do governo federal para reduzir imposto (IPI) em ano eleitoral atinge competitividade da Zona Franca e pode forçar novo ciclo econômico na região, aumentando pressão sobre recursos naturais da Amazônia.

Em 26 anos de emprego com carteira assinada, o metalúrgico Cristóvão Trovão nunca teve tanta incerteza sobre o futuro no trabalho. No último dia 30, ele e seus companheiros lotaram o auditório do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindmetal) para entender como a nova política tributária do governo federal coloca em xeque o modelo econômico da Zona Franca de Manaus (ZFM). “Lá em casa, eu, minha esposa e minha filha trabalhamos no polo industrial, não conseguimos nem imaginar como seria nossas vidas sem esses empregos”, disse ao InfoAmazonia.

Enquanto o presidente do Sindmetal, Valdemir Santana, contava como a partir de 1879, com a demanda global por borracha, Manaus se tornou uma das cidades mais ricas do país para mergulhar em uma crise no início do século seguinte, os trabalhadores faziam cálculos. “Não vai compensar para as montadoras produzirem aqui se elas puderem se instalar com as mesmas condições em São Paulo”, comentou Trovão, que trabalha na linha de montagem de motocicletas.

Santana, que também é presidente  da Central Única dos Trabalhadores do Amazonas (CUT), fala em “um novo golpe” na Amazônia e avalia que as mudanças que se avizinham tentam forçar um novo ciclo econômico para a região, como em outros tempos.

“Tirar a Zona Franca de Manaus é forçar que a nossa força de trabalho estabelecida migre para atividades como extração de madeira, minério e agropecuária, que são atividades que tentam avançar, mas que encontram resistência desse modelo estabelecido”, explica o sindicalista. “Atualmente, milhares de pessoas vivem em função da indústria o que de certa forma faz essa resistência. Nós, que estamos aqui na Amazônia, queremos a floresta de pé, queremos nossos indígenas vivendo em harmonia com a floresta e queremos um modelo econômico que nos permita ter trabalho e preservação ambiental”, afirmou.

“Tirar a Zona Franca de Manaus é forçar que a nossa força de trabalho estabelecida migre para atividades como extração de madeira, minério e agropecuária”. Valdemir Santana, presidente do Sindmetal

Com mais de 105 mil empregos diretos em cerca de 600 indústrias que produzem principalmente nos segmentos de eletroeletrônicos, motocicletas  e químico, a Zona Franca de Manaus movimenta quase R$ 90 bilhões por ano e gera mais de meio milhão de empregos indiretos no Amazonas.

Em fevereiro deste ano, sob a justificativa de melhorar a economia brasileira, que já tem a 3ª maior inflação entre as 20 maiores economias do mundo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou decreto que reduziu 25% do custo da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Mas a redução de preços não chegou ao consumidor. Dois meses depois, em 29 abril, o governo ampliou essa redução, para 35%, incluindo produtos importados, e zerou o imposto para a indústria de concentrados de refrigerantes.

Na última sexta-feira, 6, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar e suspendeu os efeitos do decreto. O caso ainda vai a julgamento do mérito, e ao que tudo indica abrirá uma nova frente de batalha entre os apoiadores do presidente e o judiciário.

Cristóvão Trovão, 47, e a família trabalham na ZFM e estão inseguros com o futuro do emprego

A medida que agradou o empresariado, principalmente das regiões sul e sudeste, além de soar como um ensaio de argumentos para a corrida eleitoral deste ano, acertou em cheio a indústria na Zona Franca de Manaus.

A redução do IPI para toda a indústria brasileira tira da Zona Franca seu maior atrativo para a permanência ou instalação de novas indústrias que para se estabelecerem na região afastada dos centros consumidores, já são isentas do IPI, de imposto de importação e exportação, além de descontos como ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias) e IPTU.

“A proposta do governo atinge de maneira muito radical o modelo econômico da Zona Franca. As vantagens comparativas e competitivas foram criadas justamente para estabelecer um equilíbrio e manter a produção em uma região onde há um custo muito elevado de se produzir e um déficit muito grande de infraestruturas. Qualquer mudança nesse sentido deveria ser pensada em longo prazo, para que fosse possível se desenvolver outros mecanismos de competitividade e o desenvolvimento de novas economias”, aponta o economista Inaldo Seixas, do Conselho Regional de Economia do Amazonas.

“As vantagens comparativas e competitivas foram criadas justamente para estabelecer um equilíbrio e manter a produção em uma região onde há um custo muito elevado de se produzir e um déficit muito grande de infraestruturas”. Inaldo Seixas, economista

Para Seixas, o governo federal poderia ter protegido no decreto os setores que têm produção na Zona Franca em Manaus, mantendo a redução da alíquota para os demais segmentos. E afirma que a decisão atende interesses de grupos específicos, apontando uma suposta pressão de grandes empresários das federações das indústrias da região sudeste: “Eles não gostam da Zona Franca, e o ministro Paulo Guedes muito menos. Com essas medidas, é questão de tempo para o fechamento de indústrias ”, declarou o economista que também relaciona a ação do governo federal com uma mudança no perfil econômico da região, favorecendo atividades com maior pressão sobre os recursos da floresta.

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), encomendado por entidades ligadas à ZFM, também avaliou os impactos do modelo industrial sobre o desmatamento da Amazônia. Entre os vários cenários pesquisados, o estudo aponta que a ZFM tem efeito inibidor às atividades que pressionam a abertura de novas áreas e, consequentemente, o desmatamento. “Parte do trabalho e do capital do estado do Amazonas seriam destinados às atividades agropecuárias e extrativistas”.

Linha de montagem em Manaus produz motocicletas para todo País

A medida vai promover renúncia fiscal de R$ 23,4 bilhões entre maio e dezembro de 2022. Como 60% da arrecadação do IPI é repartida entre os demais entes da federação, a medida também desagradou os secretários das fazendas dos estados, que vão ter arrecadação menor.

Em , o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) rebateu os argumentos do Ministério da Economia e  apontou que a medida agrada parcela do empresariado e amplia as margens de lucro, mas sem nenhuma garantia de ampliação da atividade industrial.

“A redução do IPI não se mostrou a melhor forma de incentivar a atividade industrial, tampouco de reduzir o preço final ao consumidor. O que fez, de fato, foi alargar as margens de retorno do setor beneficiado”, diz o Comsefaz.

Empresas reduzem previsão de investimentos

Na última reunião do Conselho de Administração da Zona Franca de Manaus, a previsão de novos investimentos caiu de R$ 2,3 bilhões para R$ 610 milhões, um corte de mais de 70%.

“Muitos projetos foram retirados da pauta por solicitação das empresas, aguardando uma melhor previsão dessa situação toda. Ou seja, já estamos sendo impactados com a redução de investimentos”, disse Wilson Périco, presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM).

Périco destaca que um dos principais impactos será o fechamento de fábricas que já produzem em outros países, uma vez que a redução do IPI também se estende à importação. “Nesses casos, os maiores concorrentes da nossa indústria são os produtos importados, dos mesmos fabricantes, e que são produzidos no México, Costa Rica, Tailândia, Malásia e China. Somos contra a redução do IPI para produtos acabados importados, que não geram empregos no país e colocam em risco os nossos empregos em Manaus”, emenda.

Conflito vai parar no STF

Puxada pelo ministro Paulo Guedes, a mudança na alíquota de IPI sem preservar os incentivos à Zona Franca instalaram uma crise entre o governo federal e políticos da região.

Pressionado por políticos de todos os campos partidários do estado, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), ingressou com ação de inconstitucionalidade no STF para derrubar o decreto presidencial. O pedido vai tramitar em conjunto com ações protocoladas pelo partido Solidariedade e Assembleia Legislativa do Amazonas.

No final de abril, o governador chegou a se reunir com o presidente Bolsonaro, que teria garantido encontrar uma solução para manter os incentivos à Zona Franca. Mas um dia após o encontro, o governo federal publicou os decretos sem as ressalvas prometidas.

“Eu acredito na boa intenção do governo federal em baixar tributos, mas o Ministério da Economia não entende nada de Zona Franca e ataca o mais exitoso modelo de desenvolvimento econômico, social e ambiental da Amazônia”, declarou o governador durante coletiva de imprensa em Manaus. “Há uma falta de  sensibilidade do ministro da Economia com a Zona Franca e com o povo do Amazonas”.

“O Ministério da Economia não entende nada de Zona Franca e ataca o mais exitoso modelo de desenvolvimento econômico, social e ambiental da Amazônia”. Wilson Lima, governador do estado do Amazonas

Em 2019, Guedes já questionava o modelo econômico de Manaus e chegou a afirmar que o Amazonas deveria diversificar sua economia: “Tendo toda essa riqueza, nós vamos só viver da diferença de impostos?”, disse na época.

Para a indústria de concentrados de bebidas, que produz xarope para refrigerantes e emprega cerca de 15 mil funcionários, as previsões são ainda mais catastróficas. A medida deve afetar setores produtivos em municípios vizinhos com impactos nas produções de açúcar, em Presidente Figueiredo, de guaraná, em Maués, e do açaí que vem de várias regiões do estado. A política de tributação dos concentrados é alvo de uma disputa, patrocinada por indústrias que estão fora do Amazonas. Desde 2018, a alíquota passou por várias mudanças, e foi de 20% sobre o custo de produção para 4%, antes de ser zerada com o novo decreto. No final do ano passado, já em meio a queda de braços, a Pepsi fechou a única fábrica de concentrados da marca no país, e em março deste ano a Heineken também anunciou o fim das atividades na ZFM, com a mudança da produção para Itu, em São Paulo.

Incentivos garantidos na Constituição

Em 2021, o polo registrou faturamento recorde de R$ 158 bilhões, um aumento de 31,9% na comparação com 2020. Entre as empresas instaladas estão Honda, Samsung, Yamaha, Philco e LG.

Desde a criação da ZFM, por meio de decreto em 1967, durante o governo militar, são os incentivos fiscais que atraem empresas de diversas nacionalidades.

Em 1988, o decreto que criou as condições especiais para a ZFM foi incorporado à Constituição, estabelecendo o polo industrial como “área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais”. O prazo inicial para a concessão dos incentivos era de 25 anos, e ao longo do tempo foi ampliado. Em 2014, uma emenda constitucional prorrogou as condições especiais por mais 50 anos, garantindo a validade do modelo da Zona Franca até 2073.

O advogado tributarista Jonny Cleuter, conselheiro federal da OAB/AM, diz que garantir os incentivos por via judicial é viável e aposta em um julgamento positivo no STF. “A preservação dos incentivos está assegurada na Constituição, que fala inclusive na redução de desigualdades na região. Não há dúvidas de que há elementos   favoráveis à manutenção desses incentivos até pelo menos 2073”, afirma.

Cleuter informou que uma Comissão foi criada para estudar as possibilidades jurídicas e destaca que a judicialização não deve pretender combater a redução do IPI, mas sim assegurar a competitividade da Zona Franca prevista em lei.

“A Zona Franca tem um papel importante no contexto social do Amazonas, é um modelo exitoso no sentido de geração de emprego e preservação do meio ambiente”, destaca. Além disso, o advogado lembra que instituições como a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) dependem diretamente de recursos aportados pela Zona Franca. Atualmente, 1% do faturamento do Polo Industrial, algo em torno de R$ 400 milhões, é destinado à UEA. Esse recurso compõe quase 70% do orçamento da universidade estadual.

Há mais de 10 anos empregado na Zona Franca, o técnico em eletrônica Alison Lucas de Oliveira recebe com preocupação as notícias das últimas semanas. “Nas fábricas não se sabe muito o que pode acontecer, mas as notícias que temos recebido não são muito boas”. Estudante de ciências biológicas, ele não acredita que conseguiria um emprego melhor com um eventual desemprego. “Nós vamos ter que migrar, mas se houver desemprego vejo que as possibilidades são baixas, no meu caso uma alternativa seria dar aulas, mas nem isso talvez seja garantido com esse cenário”.

 

o técnico em eletrônica Alison Lucas de Oliveira, hã mais de 10, trabalha na ZFM

Herança militar

Alinhada aos objetivos de desenvolvimento do governo militar para a Amazônia, que acreditava que a baixa ocupação demográfica da região fragilizava a segurança do território brasileiro, a Zona Franca foi estabelecida como um dos principais projetos econômicos para a região integrado a outras obras e investimentos como o Aeroporto Internacional de Manaus, a rodovia Transamazônica, a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, entre outros.

A industrialização da capital teve papel fundamental para o aumento populacional e na expansão urbana de Manaus, com o surgimento de bairros inteiros para abrigar a massa de trabalhadores, principalmente na década de 1980, quando a população dobrou, passando de 311 mil, em 1970, para 633 mil em 1980.

Hoje, são mais de 2,2 milhões de habitantes em Manaus. E, apesar de a industrialização ter ampliado a alfabetização da população empregada e gerado empregos mais estáveis, os salários na ZFM são relativamente mais baixos do que em outros polos industriais do país.

A falta de infraestrutura urbana para a região faz Manaus ser a segunda capital com maior índice  de domicílios favelados (só atrás de Belém, capital do Pará) e crescente índice de criminalidade.

ZFM impulsionou boom populacional de Manaus na década de 1980.

 

Um estudo desenvolvido por pesquisadores do Climate Policy Initiative e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, no projeto Amazônia 2030, aponta a necessidade de modernização do modelo de desenvolvimento da ZFM, que se mantém praticamente o mesmo desde a década de 1960, com a implementação de políticas de longo prazo capazes de estimular a sustentabilidade e a capacidade competitiva menos dependente do governo federal.

Além disso, os pesquisadores apontam ineficiência dos benefícios fiscais e tributários, que refletem pouco em investimento social e que acabam sendo compensados no alto custo logístico do modelo atual. Como recomendação, eles apontam o investimento em pesquisa e inovação, maiores exigências relacionadas à questão ambiental e integração com as cadeias produtivas locais.

Questionado sobre quais medidas pretende adotar para garantir os incentivos constitucionais para a ZFM, o Ministério da Economia disse que não vai comentar o assunto.

Fonte: Fábio Bispo – Infoamazonia

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